domingo, 28 de outubro de 2018

A saúde física e mental do trabalhador - Parte 1: considerações históricas


É sabido que em ordem de sobreviver na sociedade capitalista, o homem precisa trabalhar e, em virtude disso, sabemos também que a sua relação com o trabalho está diretamente ligada à sua saúde física e mental, que não se separam, pois há nessa atividade toda uma correlação com a qualidade de vida de um indivíduo. À vista disso, planejamos uma série de postagens recortadas de um trabalho apresentado à disciplina de Processos de Gestão do Trabalho do 6º período do curso de Psicologia, onde discutimos um pouco sobre o sequestro da subjetividade e a saúde do trabalhador, não só no Brasil, mas também no Japão, para que juntos possamos refletir e expandir nosso conhecimento sobre uma outra realidade tão distante da nossa. Nessa primeira postagem da série, trazemos algumas considerações históricas sobre como a saúde do trabalhador era vista e seu processo de mudança. Além de nós, Alessandra e Jhéssica, o texto também conta com a participação de Luara da Silva.


A SAÚDE MENTAL E FÍSICA DO TRABALHADOR 
PARTE 1: CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS

“O prazer no trabalho
aperfeiçoa a obra.”
 
Aristóteles

CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE A SAÚDE DO TRABALHADOR

Para Greco e Moura (2015), o ato de trabalhar é um dos aspectos que mais possui ligação com as condições de saúde e qualidade de vida de um indivíduo, podendo dizer a que saúde é inseparável do trabalho. A relação trabalho-saúde foi pouco explorada por muitos anos e somente em 1700, na Itália, após a publicação do livro chamado “As doenças dos trabalhadores” de Bernardino Ramazzini, considerado pai da medicina do trabalho, é que se deu mais atenção para essa temática. 
Greco e Moura (2015) apontam que antes da Revolução Industrial todos os tipos de produções eram feitas à mão, o artesão dominava os meios para realizar seu trabalho e não era necessário que houvesse divisão do trabalho. Entretanto, após a Revolução Industrial, ocorreu um grande aumento na produtividade e uma divisão social de produção foi implantada, nessa nova configuração, cada trabalhador realizava uma etapa na confecção de um produto, resultando na perda do domínio dos meios de produção pelos trabalhadores. 
Para estes autores, foi devido a esse aumento na produção e, consequentemente, maior exploração da classe trabalhadora que surgiu a necessidade da criação de serviços médicos voltados para os trabalhadores. Todavia, diversas transformações decorrentes da Segunda Guerra Mundial acabaram influenciando os serviços médicos responsáveis pelos trabalhadores, que passaram a se preocupar não somente com a prevenção dos riscos à saúde do trabalhador do ambiente geral ou com a prevenção dos riscos decorrentes da atividade profissional, mas também com o transporte de produtos perigosos. Assim surgiu a Saúde Ocupacional, que visava prevenir o trabalhador dos riscos provenientes tanto do ambiente como da atividade profissional. Mais tarde, surgiu também a Higiene e Segurança do Trabalho, que se preocupava tanto com os riscos, como com o estresse originado do ou no local de trabalho, entre outros fatores que pudessem causar doença, comprometer a saúde e bem-estar dos trabalhadores. 
Segundo Agostini (2002), entende-se que quando um trabalho é realizado em condições inapropriadas, resulta em diferentes problemas ao indivíduo, como doenças tanto físicas como mentais, que podem encurtar a vida do trabalhador ou mesmo causar sua morte. É suposto que trabalho seja considerado uma atividade de transformação da natureza e não uma atividade entendida como um sofrimento. Possuir saúde e bem-estar no trabalho seria, antes de tudo, a compreensão da noção do sujeito como ator de sua vida e de sua vida no trabalho, como alguém que se encontra numa relação social de troca com os outros indivíduos, numa constante busca pelo conhecimento e numa luta contra os mecanismos da desvalorização e precariedade do trabalho. Para tanto, é necessário um processo de construção e avanço nas condições de trabalho, qualidade de vida e de saúde dos trabalhadores.  
Para o autor, a maioria dos processos de trabalho envolvem situações de risco, como acidentes ou situações que podem levar ao adoecimento. Tais ameaças são chamadas de “agentes de riscos”, que podem atuar direta ou indiretamente no corpo do trabalhador, sendo este corpo entendido não somente em seu aspecto físico, mas também de forma integral, incluindo suas instâncias fisiológicas, psicológicas e emocionais.
Greco e Moura (2015) declaram que no Brasil, ao final da década de 60 e início dos anos 70, durante uma crise social, econômica e política, houve uma transformação na Saúde Pública devido a um movimento intitulado Saúde Coletiva. A partir deste processo, a saúde-doença passou a ser entendida como determinada socialmente. A percepção da ligação entre o trabalho e a saúde se modificou e houve também o surgimento da Saúde do Trabalhador, uma área da Saúde Pública que considera o trabalho como uma categoria social, com foco nas relações entre o trabalho e a saúde, visando promover e proteger a saúde dos trabalhadores por vias de ações de vigilância dos riscos existentes nos ambientes de trabalho, envolvendo métodos de diagnóstico, tratamento e reabilitação de forma integrada no Sistema Único de Saúde (SUS). 
Para os autores, a regulamentação das condições de trabalho no Brasil conta com a Consolidação de Leis do Trabalho (CLT), que foi criada em 1943 e vem sendo atualizada anualmente. Ainda há a necessidade de ter uma atenção maior voltada aos suportes afetivos e sociais dos relacionamentos interpessoais no ambiente de trabalho, pois no dia a dia, pode ser observado várias condições desfavoráveis causadoras de uma imensa insatisfação em variados ambientes de trabalho. Tais problemas poderiam ser evitados, se os trabalhadores fossem ouvidos, mas há uma deficiência na participação dos colaboradores nas decisões e uma enorme necessidade de se desenvolver estratégias direcionadas às relações interpessoais no trabalho. 

MUDANÇAS NA ÓPTICA DA SAÚDE DO TRABALHADOR

Jacques (2007), aborda uma notícia de 1994 que ganhou grande repercussão em Porto Alegre, no jornal “Zero Hora”, o qual falava sobre o caso de um metalúrgico que havia perdido o movimento das pernas após uma cena de humilhação que sofreu dentro do seu ambiente de trabalho. A repercussão foi tamanha que o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) chegou a incluir o sujeito no seguro-doença. Até o momento sempre que se ouvia falar sobre doenças relacionadas ao ambiente do trabalho pensava-se em doenças físicas e corpóreas, como por exemplo, acidentes dentro do ambiente de trabalho, ou mesmo casos de doenças como a tendinite, que é recorrente em trabalhos manuais que requerem movimentos repetitivos de modo prolongado. 
Jacques (2007) mostra que a notícia de Porto Alegre chama a atenção para o fato de que o estado psíquico de um sujeito também pode influenciar em seu corpo, afirmando que o ambiente em que se está inserido pode acabar afetando emocionalmente. Isto pode ocorrer de tal forma que acaba sendo insustentável o fato do indivíduo continuar inserido naquele ambiente de trabalho, claramente exemplificado pelo episódio de humilhação que afetou o funcionário ao ponto de perder o movimento das pernas e não continuar trabalhando.
De acordo com Jacques (2007), o adoecimento mental no ambiente de trabalho vem sendo evidenciado, casos de depressão e frequentes suicídios estão relacionados com este clima. Esse fenômeno chama a atenção da Psicologia, cabendo ao profissional da área uma busca pela conscientização de uma ressignificação do papel e da finalidade do trabalho dentro da vida de um sujeito e o nível de influência do processo de saúde física e mental. Deste modo, se fez necessário a implementação do psicólogo dentro de diferentes áreas, como em grandes e pequenas organizações, hospitais, escolas, etc. O campo da saúde ligado ao trabalho e o trabalhador necessita de profissionais capacitados para perceberem e trabalharem este nexo causal entre saúde e trabalho.
Jacques (2007) então aponta que em meados do século XIX o trabalho era visto como um agente de transformação do mundo, ao mesmo passo que agia e transformava o homem. Nesta mesma época o saber científico estava sendo cada vez mais consolidado, e o estudo de doenças cada vez mais explorado, no entanto, as doenças psíquicas eram vistas como “loucura”, e a pessoa que padecia era segregada da sociedade. Com a evolução da ciência e também das linhas psicológicas, como a psicanálise, as doenças psíquicas começaram a ser mais estudadas e também tratadas de maneira adequada. Jacques, cita algumas referências psicológicas que aludem a relação do trabalho com o psiquismo de um sujeito, destacando a obra de Sigmund Freud “Psicologia das Massas e Análise do Eu” de 1921, e a produção cinematográfica de Charles Chaplin “Tempos Modernos” de 1936, porém, nesta época o referencial teórico ainda era escasso quando se tratava da saúde do trabalhador.
Jacques (2007) ainda menciona como o modelo taylorista-fordista influenciava no psiquismo dos trabalhadores, evidenciando o grande sofrimento psíquico decorrente da rotina pesada de trabalho. Enfim, a Psicologia começou a se aproximar mais do homem em seu ambiente de trabalho, ganhando maior visibilidade e base para encontrar a pessoa adequada para cada cargo. Assim, a organização empresarial passa a ser mais uma dentre os campos de atuação da Psicologia. No entanto, seu trabalho estava sendo difundido com o intuito de adequar os trabalhadores ao perfil organizacional e o sofrimento psíquico, dentro do ambiente de trabalho, não alcançou a visibilidade necessária, assim como a área clínica onde o ambiente de trabalho do sujeito era visto como uma temática secundária para a Psicologia.
Segundo Jacques (2007) só após o reconhecimento desta interligação entre trabalho e adoecimento psíquico, é que ocorreu uma compreensão do ser humano de forma mais completa e de todos seus aspectos. Jacques comenta ainda que as principais causas do adoecimento psíquico dos trabalhadores são:

[...] doenças comuns sem qualquer relação com o trabalho, doenças comuns modificadas no aumento da frequência ou na precocidade de manifestação em decorrência do trabalho, doenças comuns nas quais se somam ou se multiplicam condições provocadoras ou desencadeadoras em decorrência do trabalho e os agravos específicos tipificados pelos acidentes de trabalho e doenças profissionais. Os três últimos fatores constituem o que se convencionou nomear como doenças relacionadas ao trabalho (JACQUES, 2007, p. 115).
Jacques (2007) conclui que a condição de trabalho pode implicar em inúmeras doenças para um indivíduo, desde intoxicações por exposição a produtos tóxicos até mesmo por alterações em seu estado de saúde mental. Mesmo os transtornos mentais sendo vistos como algo de extrema complexidade que podem envolver um inúmero conjunto de fatores, o ambiente de trabalho pode infelizmente servir como uma mola propulsora para o afloramento de um sofrimento psíquico, devendo ser tratado e, acima de tudo, prevenido. Cabe a área da Psicologia uma busca pela preservação da saúde física, mental e social de cada sujeito.

REFERÊNCIAS

AGOSTINI, M. Saúde do trabalhador. Editora Fio Cruz, Rio de Janeiro, 2002.

GRECO, R. M; MOURA, A. C. Condições de trabalho e a saúde dos trabalhadores de enfermagem. UFJF, Juiz de Fora, 2015.

JACQUES, M. G. O nexo causal em saúde/doença mental no trabalho: uma demanda para a psicologia. Psicologia & Sociedade; 19, Edição Especial 1: 112-119, 2007.


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COMO REFERENCIAR ESTA POSTAGEM

FERREIRA, A. C. C.; PEREIRA, J. K.; SILVA, L. R. F. A saúde física e mental do trabalhador - Parte 1: considerações históricas. Curitiba, 27 set 2018. Disponível em: <https://psiqueempalavras.blogspot.com/2018/09/a-saude-fisica-e-mental-do-trabalhador.html>

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