segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Hoje Eu Quero Voltar Sozinho: aspectos teóricos acerca da deficiência visual

Esse trabalho foi realizado no quarto semestre para a disciplina de Psicologia e Pessoas com Deficiência. Se trata de uma análise do filme “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” que foi escolhido devido ao fato de contar a história de um adolescente com deficiência visual, que além de abordar a temática de inclusão, também trata da superproteção da família e dos aspectos da sexualidade, o que está aflorado na fase da adolescência. 

*Além das autoras do blog, esse trabalho conta com a participação de outra colega de turma, Ariane Viera da Silva.


HOJE EU QUERO VOLTAR SOZINHO: ASPECTOS TEÓRICOS ACERCA DA DEFICIÊNCIA VISUAL

Sinopse do filme “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho”

     Filme dirigido por Daniel Ribeiro foi estreado em 2014, ele conta a história de Leonardo “Leo” (Guilherme Lobo), o qual na trama tem deficiência visual, Leo vive com seus pais e frequenta uma escola regular onde há adaptações para que ele possa participar das aulas normalmente, por exemplo, ele utiliza uma máquina de escrever em braile para realizar suas atividades, tendo também material disponível em braile para ele, na escola sua melhor amiga é a Giovana (Tess Amorim), nesse meio social em que Leo está inserido ele sofre com a superproteção tanto de seus pais, como de sua amiga, no entanto Leo era um garoto como outro qualquer, tentava se inserir no meio social, ao frequentar festas, participar dos passeios escolares e também tinha interesse de fazer um intercambio. Algo acaba mudando na vida de Leo, quando passa a ter um novo amigo recém chegado na escola, Gabriel (Fábio Audi) e quando eles precisam fazer um trabalho escolar juntos acabam ficando próximos, isso desperta em Leo sentimentos até então não experienciados. Durante sua vida as pessoas o tratavam com certa diferença, de acordo com sua deficiência, mas com o Gabriel isso não ocorria, pois ele explorava os outros sentidos de Leo, como por exemplo, eles iam ao cinema, onde Gabriel contava para ele o que ocorria no filme, eles também vivenciaram a ocorrência de um eclipse e Gabriel explicou o fenômeno para Leo utilizando pedras, desta forma Leo ia criando maior autonomia e independência em sua vida.
     O personagem escolhido para realizar a análise foi o Leonardo, um adolescente com deficiência visual e sua relação com seu colega Gabriel. Durante o filme Leo sofre com a superproteção dos pais, pois eles de certa forma limitam seu convívio social, não o deixando ao menos ficar em casa sozinho com frequência, o que lhe gerava um sofrimento. Já na escola Leo freqüentava as aulas normalmente, tendo livre acesso ao ambiente, dependendo apenas de sua bengala, durante as aulas ele utilizava de sua máquina de escrever em braile para realizar as atividades, Leo tinha um bom relacionamento com sua amiga Giovana, porém ela muitas vezes fazia as coisas por ele, não o deixando ter total autonomia, isso é notado quando, por exemplo, Giovana abre o portão para Leo, no seu relacionamento com Gabriel isso não acontecia, pois ele o tratava normalmente, sem lhe impor limitações, no entanto no ambiente escolar Leo acabava sofrendo bullying de alguns colegas.

Análise do filme com aspectos teóricos


     De acordo com Sassaki (2014) a deficiência que o personagem Leonardo possui está dentro da categoria de deficiência visual, sendo do tipo cegueira.  Segundo Vash (1998) a reação da pessoa com deficiência diante de sua limitação está estritamente ligada à quando essa deficiência se iniciou e de como a pessoa com deficiência lida com as consequências de suas limitações, assim como seu relacionamento com as demais pessoas que estão presentes em seu meio e também o contexto cultural no qual está inserido. No caso do Leonardo ele já nasceu cego, o que pode limitar sua percepção de espaço, seus familiares normalmente lhe superprotegiam, da mesma forma sua amiga também o fazia, já a cultura em que Leonardo vive não traz uma total inclusão, muitas vezes proporciona somente uma integração da pessoa com deficiência no meio social. 
     Para Vash (1998) a severidade da deficiência é experienciada de modo singular, pois o que pode causar sofrimento e agonia para uma pessoa pode não despertar tais sentimentos necessariamente em outra, todavia dependendo do grau da severidade da deficiência a pessoa ela poderá responder de uma forma que difere do comum. Enquanto a questão da visibilidade de uma deficiência também interfere no meio, afinal no caso da cegueira muitas vezes ao não perceber a deficiência as demais pessoas podem constranger a pessoa com deficiência ao usar expressões de, por exemplo, “você viu” ou ainda “vamos assistir”, podendo até mesmo ficarem elas mesmas envergonhadas e não conseguirem lidar com tal situação. No filme se nota uma situação semelhante quando Gabriel ao esquecer que o Leo é cego lhe pede uma borracha emprestada, no entanto isso não aparentou os constranger, ou quando uma das colegas de classe comenta que “vivo esquecendo que ele é cego”.
     Vash (1998) fala que numa deficiência o que pode interferir é o modo que as demais pessoas irão lidar com ela e como irão lhe tratar a partir dessa diferença, também outro fator que vale ressaltar é se tal deficiência traz sofrimento ou dor para a pessoa, pois isso está estritamente ligado a forma que a pessoa com deficiência vai reagir diante de sua realidade. Vash menciona que a sociedade impõe uma determinada conduta para as pessoas de acordo com seu sexo, desta forma se é esperado que um homem seja ativo e independente, enquanto uma mulher poderia ter aspectos de fragilidade, no entanto dispondo de uma aparência “perfeita”, assim não é aceito com facilidade que um homem necessite de auxilio para realizar atividades comuns do dia a dia. As metas e objetivos de vida de uma pessoa também são afetados de acordo com a deficiência, se está esta estritamente relacionada à atividade em questão pode ser devastador para a pessoa, podendo ser necessário um ajustamento dos objetivos de vida, ou até mesmo pensar em novos. No filme o personagem Leonardo apresenta a vontade de fazer intercâmbio, mas se encontra impedido não somente por sua deficiência, mas também pela reação com que os pais lidam com o assunto. Todavia caso a família de Leonardo aceite a idéia é necessário que o Leonardo fique em casas especializadas em receber alunos com tais deficiências.
     Vash (1998) menciona que a personalidade está ligada aos interesses e valores de uma pessoa, estando relacionado também com as relações interpessoais que uma pessoa possui, assim como suas tendências comportamentais e seu temperamento. Quando uma pessoa passa a ter uma deficiência é necessário notar se houve uma adaptação, uma flexibilidade, ou ainda uma maturidade, fatores estes ligados a personalidade de cada indivíduo, logo de como este indivíduo irá lidar com a deficiência. Outro fator que pode interferir na aceitação da deficiência é a respeito das crenças religiosas ou filosóficas que uma pessoa possa ter e a partir delas a pessoa pode relacionar a deficiência tanto como um “castigo” ou como algo a ser superado em vida. Desta forma, de um modo geral se pode notar que a maneira que a pessoa irá lidar com a sua deficiência está de acordo com sua própria subjetividade.
     De acordo com Paniagua (2004) pode-se supor que a superproteção proporcionada pela família de Leo e por sua amiga Giovana eram decorrentes dos mecanismos de defesa apresentados por eles, diante da deficiência visual de Leo eles se sentiam inseguros e preocupados em permitir que ele fizesse suas tarefas cotidianas sem a ajuda de ninguém, pois eles viam sua deficiência como algo que o incapacitasse de realizar diversas atividades que ele conseguiria realizar sozinho. Giovana sempre acompanhava Leo até sua casa, abria o portão para ele e entregava as chaves em sua mão. A casa de Leo não ficava no trajeto para a casa de Giovana, mas ela o levava até em casa para ele não ir sozinho. Os pais de Leo também evitavam deixá-lo sozinho e pediam que ele não ficasse andando na rua desacompanhado, quando eles não iriam ficar em casa, eles pediam que Leo ficasse na casa de sua avó, para ele não passar a tarde sozinho. Leo se irritava com o fato de que seus pais não o deixavam ter uma vida de um adolescente comum, ele queria ter mais independência e autonomia, gostaria de morar sozinho, ter um emprego, poder viajar e ter uma vida com as possibilidades que as outras possoas também tinham. De acordo com Paniagua (2004) depois que os pais descobrem a deficiência, é comum a preocupação com o presente e o futuro da criança aumente e, durante o decorrer da vida do filho, essa preocupação pode oscilar de intensidade dependendo do caso. A mãe de Leo superprotegia-o e tentava fazer que Leo sempre tivesse alguém por perto para o ajudar, ela acreditava que pelo fato dele ser cego, ele não conseguiria realizar atividades com a mesma facilidade que uma pessoa que enxerga realiza,  ela achava então que seria melhor que ela facilitasse as coisas para o seu filho. 


     Para Paniagua (2004), é comum que os pais tenham reações diferentes diante da deficiência do filho, como o caso mostrado no filme. Enquanto Laura evitava que Leo ficasse sozinho em casa ou saísse “sozinho” com o pessoal da escola, ela também não acreditava que o filho poderia ter autonomia em um país desconhecido, ela acreditava também que nenhuma família do intercâmbio aceitaria um cego em casa. Laura via seu filho através de um estereótipo, ela o via como um cego com capacidades limitadas e com necessidades de atenção e cuidados extremos. Já o pai de Leo o via muito mais próximo de um adolescente comum, ele entendia que seu filho tinha necessidades diferentes, porém tinha condições de realizar diversas atividades sozinho, inclusive considerou a possibilidade do filho fazer intercâmbio. Na cena do filme que Leo pede para seu pai o ajudar a fazer a barba, Carlos auxilia seu filho de modo que ele faça a barba com a mínima ajuda possível e, durante a conversa dessa cena, Carlos explica ao Leo que ele acredita que o filho tenha condições de fazer intercâmbio, porém essa deveria ser uma decisão a ser tomada cuidadosamente e pelos motivos certos. No filme não é mostrado se os pais de Leo possuem amigos próximos, além de não serem mostrados momentos de lazer entre a família, as cenas de maiores vivências são as de refeição, nas quais Leo está com seus pais à mesa e eles conversam sobre assuntos cotidianos. Durante a maior parte das cenas que Leo aparece com a família, ele está se queixando por seus pais não permitirem que ele tenha uma vida normal. Nas cenas em que Leo aparece conversando com sua avó, ele demonstra ter mais intimidade e liberdade para conversar com ela, ele relata quais são os seus planos para o futuro e pergunta sobre determinadas experiências de sua avó, que sempre com calma o orienta sobre suas diversas dúvidas.
     De acordo com Sassaki (1999) a inclusão consiste nas adaptações que o meio social realiza para poder receber adequadamente a pessoa com deficiência, desta forma para que haja a inclusão é necessário que as pessoas até então excluídas e a sociedade andem de mãos dadas em busca de solucionarem os problemas referentes à inclusão, formando uma sociedade que respeita a igualdade das pessoas de acordo com suas diferenças. Desta forma é necessário que a sociedade perceba que ela precisa estar capacitada para receber e atender as demandas de seu meio, para que a inclusão ocorra deverão ocorrer mudanças tanto ambientais, como mentais dentro do meio social. Todavia nem toda pessoa com deficiência precisa de adaptações da sociedade para que possa se integrar nela, no entanto nem todas as pessoas com deficiência poderão participar da vida em sociedade caso não ocorra à inclusão. No decorrer do filme se percebe que o Leo estava incluído dentro da sociedade, devido ao fato dele poder participar das aulas numa escola regular normalmente ao utilizar de materiais adaptados, o Leonardo também possuía a liberdade de ir e vir, quando necessário ele utilizava sua bengala e conseguia transitar normalmente pelos locais, posto que em sua casa ele era dotado de total autonomia.


     Segundo Amaral (2002) os estereótipos, estigmas e preconceitos se transformam numa barreira de atitudes, a qual as pessoas com deficiência acabam tendo que enfrentar. Desta forma tais barreiras ocorrem quando uma conduta discriminativa é dirigida a um alvo em particular, o estereótipo depositado nas pessoas com deficiência está estritamente relacionado ao preconceito que elas vêem e sofrem, além da cultura em que estão inseridos, assim como as atitudes que as demais pessoas têm em relação às pessoas com deficiência, tendo em vista que essas atitudes podem ocorrer até mesmo de modo corporal, diante de um determinado fenômeno, elas também estão relacionadas às emoções de modo geral dessas pessoas ditas “normais” e não necessariamente com suas opiniões. Já o preconceito pode se caracterizar como uma atitude positiva ou negativa e anterior ao conhecimento, sendo encontrado no horror ao que é diferente. Outra atitude que indica preconceito é a vitimização do deficiente, posto que sentimentos de piedade não possuam um caráter positivo. Então o estereótipo vem a ser um julgamento baseado no preconceito e é anterior a uma experiência pessoal.
     Ainda de acordo com Amaral (2002) o estigma consiste num “rótulo” em que uma pessoa possa receber, ele está estritamente ligado aos estereótipos e preconceitos, todavia ele faz parte de uma percepção que se realiza das relações sociais, se nota que quando ocorre o estigma, também ocorre uma “coisificação” da pessoa, no caso ela não seria mais uma pessoa comum, ela seria somente sua deficiência. O estereótipo quando negativo constrói um estigma,um “rótulo”o que simultaneamente cria o “estereótipo do estigmatizado”,tais características negativas também são uma forma de preconceito, o estigma é estabelecido dentro das relações interpessoais,sendo o desconhecimento sua base, pois está relacionado ao desconhecimento em relação às emoções geradas ou reações seguintes.     No filme se pode notar uma atitude com base no estigma depositado em Leonardo, quando a professora manda um colega sentar atrás dele, mas o colega diz que não, alegando que se sentasse naquele local ia ter que ficar fazendo favores para o Leonardo. Nessa cena se percebe que o aluno Leonardo não foi visto como uma pessoa, mas sim a partir de sua deficiência, houve uma coisificação de sua imagem e o seu colega só o percebia como uma pessoa deficiente, que dependia dos outros.


     De acordo com Brasil (1995), o requisito básico para definir o atendimento a ser realizado com o aluno com deficiência visual consiste em dois tipos que são caracterizados a partir do viés médico-oftalmológico e pedagógico, são os indivíduos com deficiência do tipo cegueira e os que possuem visão reduzida (subnormal). No caso de Leo, a sua deficiência é a cegueira total, isto é, não possui nenhuma percepção de luz. As exigências para que um jovem com deficiência visual possa ser matriculado em uma classe comum, como é o caso de Leo, é que este possua condições para realizar as atividades estipuladas no currículo acadêmico, o jovem deve ser incluído em todas as atividades da classe, devendo sempre que possível ter o material didático a ser utilizado adaptado às suas demandas. O professor neste caso realiza o papel de maior importância, pois precisa se adequar às necessidades deste aluno, como por exemplo, percebendo a importância de vocalizar suas ações buscando sempre dizer em voz alta as anotações realizadas no quadro, dentre diversas outras posturas que podem ser adotadas para proporcionar a este aluno total aproveitamento das aulas. 
     No filme é possível observar que a escola em que Leo estuda lhe providencia elementos necessários para seu aproveitamento das aulas, como a utilização da máquina de datilografia em braile e o material de estudo também em braile, no entanto, é possível também observar uma hostilidade de alguns colegas de classe que se incomodam com o barulho da máquina de escrever ou que se recusam a se sentar perto de Leo, pois se o fizerem terão de “ficar fazendo favores pra ele toda hora porque ele não faz nada sozinho”, tais situações que devem ser manejadas pelo professor com bastante tato de modo a não acabar vitimizando o aluno com deficiência ou surperprotegendo-o, mas buscando realizar um julgamento justo de acordo com a ocorrência em determinado momento. É possível observar esta superproteção em outro momento do filme, com o professor de biologia que colhe para Leo as amostras necessárias para realizar uma atividade e orienta que ele procure um colega para ajudá-lo a preencher a sua ficha.
     De acordo com Cerqueira-Santos, Neto e Koller (2014), na adolescência diversas mudanças biológicas ocorrem na vida de um indivíduo, mas estas mudanças também afetam diretamente os aspectos psicológicos. Os autores afirmam que para diversos outros autores, a adolescência é compreendida como uma etapa demarcada por diversos conflitos naturais, sendo eles em sua maioria ligados às questões da sexualidade, é um período dramático que se equipara a um novo nascimento. Para DeSousa, Rodríguez e Antoni (2014), a fase da adolescência é também demarcada pelos seus relacionamentos sociais, que se tornam mais intensos nessa etapa da vida, os indivíduos passam a desenvolver maior intimidade em suas relações e as amizade se mostram com extrema importância, posto que os adolescentes preferem passar mais tempo com seus amigos e menos tempo em casa com seus familiares, mas precisam também conciliar todos estes contextos, o que também contribui para os seus próprios conflitos internos. Eles compartilham seus medos, incertezas e interesses que possuem em comum com seus amigos, é também uma fase onde pode haver envolvimento com álcool ou drogas, provenientes da influência que o grupo tem sobre o adolescente, que tendem a reproduzir os comportamentos de seus amigos como forma de validação ou mesmo aceitação dentro de tal grupo, tendo em vista que a autoestima e a autoeficácia são fatores que podem ser bastante afetados pelos amigos ou grupos.
     Piaget (1972) fala que a fase da adolescência tem como característica desequilíbrios momentâneos dentro da evolução psíquica, na qual se enfatiza a fase da puberdade – amadurecimento do instinto sexual. Desta forma, a vida amorosa do adolescente ocorre na entrada ao mundo adulto, mas o amor que ele sente se trata na realidade de uma projeção de seus ideais, este amor ocorre independente de encontrar uma pessoa para depositar tais sentimentos, como o jovem está nesta fase de pensamento “hipotético-dedutivo” seus sentimentos tendem a ultrapassar o real, o adolescente sente uma ligação maior com as pessoas.
     Segundo Moura e Pedro (2006), a sexualidade na adolescência é um assunto que por si já engloba diversas dificuldades tanto para o indivíduo quanto para a família, quando este assunto se estende para o indivíduo com deficiência, ainda existe em torno dessas pessoas o peso do estigma de que eles possuem uma sexualidade incompleta ou que possuam atitude infantilizada, tais estigmas contribuem em tornar a forma como os adolescentes encaram a sexualidade muito mais conflituosa quando eles possuem alguma deficiência. As mudanças fisiológicas durante a maturação é experienciado pelas pessoas que possuem deficiência visual através da percepção que estes têm de que de fato estão crescendo e que seu corpo está se modificando, como por exemplo, para os meninos, eles percebem que estão começando a ter barba e demonstrar interesse por essas mudanças que implicam em diversos eventos psicológicos que se constroem em torno da obtenção da identidade sexual. A sexualidade para os cegos também é experimentada através de outros sentidos, principalmente o tato e audição, pois para eles, assim como as mudanças em seu próprio corpo podem ser um pouco confusas, pois escapam ao seu controle, exigindo uma reconfiguração de sua autoimagem e mesmo de sua própria identidade, o corpo do outro é também um grande mistério que só pode ser conhecido através do toque. A respeito de relações, eles compreendem a clara distinção entre o ficar, que é algo de momento e não com muito significado afetivo e o namorar, que é um processo que envolve sentimentos e compromisso, estando associado à fidelidade e à intimidade, é algo sério.
     Essa construção da identidade sexual é bastante evidente em Leo e em como sua relação com o menino novo que chega na classe, Gabriel vai se desenvolvendo, em contraste com sua relação com a amiga Giovana, onde é possível perceber que esta demonstra interesse em Leo, mas este a percebe apenas como amiga. É com a chegada de Gabriel que Leo passa a mostrar um maior interesse em seu próprio corpo, nas mudanças que vem ocorrendo com ele, como quando pede ao seu pai para que o ajude a fazer a barba. Leo passa até mesmo a explorar seu próprio corpo e seus sentidos, coisas que até então ele não dava tanta importância, como é observado no início do filme em sua conversa com Giovana sobre “beijar qualquer pessoa apenas pra tirar isso da frente”, mais uma vez indicando manifestações da sexualidade da amiga em relação a Leo, mas que não são percebidas por ele. No entanto, à medida que seus sentimentos por Gabriel vão se tornando mais intensos, tais coisas passam a tomar maior dimensão, os conflitos internos passam a ser mais evidentes como sentimentos de ciúmes e uma maior preocupação a respeito de sua aparência, vistos em comportamentos como perguntar para a amiga se ela o acha bonito e se acha que os outros também o acham bonito, também quando lhe confessa que está “apaixonado pelo Gabriel” e Giovana retorna, um pouco confusa e também enciumada, perguntando como ele poderia estar apaixonado por Gabriel e ele responde “apaixonado de namorado”.



Considerações finais

     Através do filme analisado e da relação feita com as teorias descritas neste trabalho, pode-se notar como o desenvolvimento e amadurecimento da autonomia e independência de Leo se intensificaram no decorrer do filme. Um dos aspectos apresentados neste trabalho foi como os pais e a melhor amiga de Leo criaram barreiras que o impediam dele viver uma vida como a de um adolescente comum. A superproteção voltada ao Leo, por parte de seus pais e sua melhor amiga, ficou evidente em diversos momentos do filme, principalmente depois que Gabriel apareceu na vida de Leo e começou a tratá-lo de maneira normal, mostrando que Leo era capaz de fazer diversas atividades que o rotulavam como incapaz de realizar sozinho. Um dos aspectos positivos do meio educacional de Leo era como ele era incluso em sua escola, exceto quando sofria bullying por determinados alunos de sua classe fato, porém que ocorre normalmente com outros adolescentes que não possuem deficiência. Leo era um adolescente comum e com desejos comuns e o fato de o verem muitas vezes através de sua deficiência limitava-o e o impedia de ter uma vida normal, fato sobre o qual Leo não disfarçava sua indignação, discutindo diversas vezes com seus pais, numa tentativa de fazê-los ver que ele tinha condições de realizar suas atividades sozinho e merecia receber menos proteção e mais liberdade. 

REFERÊNCIAS

AMARAL, L. A. Diferenças, Estigma e Preconceito: o desafio da inclusão. In: OLIVEIRA, M. K.; SOUZA, D. T. R.; REGO, T. C. Psicologia, educação e temáticas da vida contemporânea. São Paulo: Moderna, 2002.

BRASIL. Subsídios para organização e funcionamento de serviços de educação especial: Área de Deficiência Visual. Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Especial. Brasília: MEC/SEESR, 1995.

CERQUEIRA-SANTOS, Elder; NETO, Othon Cardoso de Melo; KOLLER, Sílvia H. Adolescentes e adolescências.; DESOUSA, Diogo Araújo; RODRÍGUEZ, Susana Núñez; ANTONI, Clarissa. Relacionamentos de amizade, grupos de pares e tribos urbanas na adolescência.  In: HABIGZANG, Luísa Fernanda; DINIZ, Eva; KOLLER, Sívia H. (Orgs.). Trabalhando com adolescentes: teoria e intervenção psicológica. Porto Alegre: Artmed, 2014.

MOURA, Giovana Raquel; PEDRO, Eva Néri Rubim. Adolescentes portadores de deficiência visual: percepções sobre sexualidade. Rev Latino-am Enfermagem, 2006 mar/abr; 14(2):220-6.

PANIAGUA, G. As famílias de crianças com necessidades educativas especiais. In: MARCHESI, C. C. A. & PALÁCIOS, J. (Orgs.), Desenvolvimento psicológico e educação: transtornos do desenvolvimento e necessidades educativas especiais. Porto Alegre: Artmed, 2004. pp. 330- 346.

PIAGET, J. W. Seis estudos de psicologia. 5ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1972.

SASSAKI, R. W. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. 3ª ed. Rio de Janeiro: WVA, 1999.

VASH, C. L. Enfrentando a deficiência: a manifestação da Psicologia da reabilitação. São Paulo: Pioneira, 1998.
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COMO CITAR ESSA POSTAGEM

FERREIRA, A. C. C.; SILVA, A. V.; PEREIRA, J. K. Hoje eu quero voltar sozinho: aspectos teóricos acerca da deficiência visual.  Curitiba, 28 nov. 2016. Disponível em: <http://psiqueempalavras.blogspot.com.br/2016/11/hoje-eu-quero-voltar-sozinho-aspectos.html>

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