quinta-feira, 16 de março de 2017

Da pulsão à sociedade dentro da teoria freudiana

Este artigo foi realizado no Projeto de Iniciação Científica (PROINC) no ano de 2015, sob orientação do professor Marcelo Oliveira com o intuito de expandir e aprofundar os conhecimentos dentro da Psicanálise, onde estudamos alguns conceitos fundamentais da teoria e ao final do projeto produzimos um artigo a respeito do tema. O nosso artigo buscou relacionar a teoria pulsional de Freud, em como esta se aplica dentro da sociedade, dando ênfase à predisposição do homem para a agressividade e o papel da repressão na adaptação social.


DA PULSÃO À SOCIEDADE DENTRO DA TEORIA FREUDIANA
FROM THE DRIVE TO SOCIETY WITHIN THE FREUDIAN THEORY

Alessandra Cristina Cluves Ferreira
Jhéssica Karine Pereira

RESUMO: O presente trabalho aborda a temática das pulsões dentro da teoria freudiana, trazendo os elementos pulsionais que consistem em pressão, meta, objeto e fonte e seus destinos, sendo eles a reversão ao seu oposto, o retorno ao indivíduo, a repressão e a sublimação. Também propõe identificar como as pulsões agem dentro da sociedade, enfatizando a predisposição do homem à agressividade e o papel da repressão na adaptação social.

Palavras chave: pulsão, sociedade, agressividade, repressão, psicanálise

ABSTRACT: The present essay approaches the concepts of the drive within the Freudian theory, depicting its elements which are pressure, source, object and aim and its destinations being reversal into its opposite, turning around upon the subject, repression and sublimation. It also serves a purpose on identifying how those drives act upon society, emphasizing the predisposition to aggressiveness contained in humankind and how the concept of repression plays its role on social adjustment.

Key words: drive, society, aggressiveness, repression, psychoanalysis


Freud e as Pulsões

De acordo com Gomes[1] dentro da teoria freudiana os termos instinto[2] (Instinkt) e pulsão[3](Trieb) são distintos, o instinto é caracterizado pelos esquemas de comportamentos hereditários, enquanto a pulsão consiste num processo de descarga energética, que visa atingir um alvo. A pulsão é um dos pontos fundamentais da teoria freudiana, ela não está relacionada ao ambiente externo que um indivíduo vive, mas sim com seu mundo interior. Quando se fala em pulsão, fala-se também de uma força constante que está sempre em busca de uma satisfação (Triebbefriedigug i.e. satisfação da pulsão), o qual o seu conteúdo é algo inesgotável e estabelece uma ligação entre o psíquico e o corporal. Assim sendo, o homem, para Freud, não se limita aos seus instintos primitivos restritos a conservação da espécie.
Freud[4] mostra que a pulsão possui quatro elementos: a pressão (Drang), isto é, a mobilidade ou força exigida para se fazer algo que proporcionará um aumento de tensão; a meta (Ziel) que sempre almejará uma satisfação visando a diminuição do estado de tensão; o objeto (Objekt) que é variável, é nele que indivíduo descarregará a satisfação que é sempre parcial, podendo ser usado como forma de representação psíquica de um objeto externo ou do próprio indivíduo; e a fonte (Quelle) que sempre terá uma origem somática.
Então Freud[5] define que as pulsões podem seguir por quatro destinos, que podem ser vistos como mecanismo de defesa, sendo eles:
(1) A reversão ao seu oposto: Freud[6] aponta que o fator ativo pode se converter em passividade, onde a reversão tem por função alterar a finalidade da pulsão, como percebido no sadismo-masoquismo, onde a reversão está ligada em deixar de torturar (finalidade ativa) e começar a ser torturado (finalidade passiva) ou no caso da escopofilia, onde há o prazer em ver/assistir e em outra extremidade, o exibicionismo, onde há o prazer em ser visto/assistido. Seguindo estes exemplos dos pares de opostos, como o sadismo-masoquismo, mesmo que haja uma transição para a atividade, ainda restará um pouco de passividade no sujeito, posto que, no sadismo sempre haverá vestígios do masoquismo e vice-versa.
(2) Retorno ao indivíduo: referente ao retorno da pulsão em relação ao próprio eu do indivíduo, para Freud[7] o que retorna é uma pulsão que se volta contra o próprio indivíduo, o masoquismo então, seria o próprio sadismo que se direcionou ao ego e o exibicionismo seria um retorno do olhar ao próprio corpo. Deste modo, o que pode ocorrer é uma mudança do objeto da pulsão, porém com a mesma meta, ao que o fenômeno da ambivalência pode ser atribuído e também por esse motivo é que o esgotamento total de um dos opostos tende a não se realizar por completo.
(3) Repressão: Freud[8] determina que a repressão monta-se como um mecanismo de defesa, no entanto, ela não é um mecanismo de defesa que se encontra presente no indivíduo desde o princípio, é preciso que tenha ocorrido uma espécie de confronto entre uma ocorrência do plano consciente com o inconsciente, deste modo, a repressão é a forma que a psique encontra para afastar determinados conteúdos do campo consciente. Na repressão, dentro do trajeto de uma pulsão ela pode se deparar com resistências que resultam na inoperância de tais pulsões, quando isso ocorre esta pulsão poderá entrar no estado de repressão, este estado se caracteriza por deixar determinados assuntos longe do campo da consciência, os deixando de certa forma distantes. Quando se tem um estímulo do mundo externo agindo sobre o sujeito, é possível fazer uma analogia da repressão como sendo uma tentativa de fuga de um assunto indesejado do consciente e ficando entre esta, a fuga e o conceito de condenação, posto que, a condenação age de forma bastante eficiente quando voltada contra as pulsões. No entanto, como Freud aponta, não há vias pelas quais um indivíduo possa fugir de si mesmo e assim sendo, esta fuga não obterá qualquer êxito.
(4) Sublimação: de acordo com Roudinesco e Plon[9] o termo surgiu pela primeira vez em 1905 nas obras de Freud, apresentada como origem das pulsões parciais sexuais quando o indivíduo utiliza dessa energia libidinal para desempenhar uma atividade, encontrando nela uma satisfação de origem sexual, porém tal atividade não é desempenha através de objetivos sexuais, propondo um afastamento deles. Desta maneira a sublimação abrange a libido objetal que pode ser depositada no meio artístico, onde o indivíduo pode obter grande satisfação sexual com a realização de suas obras, podendo ser através desses desvios das pulsões sexuais que ocorrem grandes manifestações culturais. Freud[10] ao observar as pessoas no dia a dia, notou que elas podem depositar pulsões sexuais dentro de suas profissões, pois estas pulsões podem ser sublimadas, sendo depositadas em alvos diferentes que não possuam o fator sexual, mas ainda assim ocorrendo a satisfação libidinal.
A respeito das pulsões sexuais (Sexualtrieb), Freud[11] as concebe como algo com base em excitações corpóreas, desta forma elas englobam pulsões parciais (Partialtriebe), sendo elas: oral, anal, genital e sádica. Estas pulsões podem se tornar muito extensas, não obstante elas atuam de modo autônomo, tendo como alvo a busca de um prazer ligado ao órgão. Observa-se que as pulsões sexuais se apóiam nas pulsões de autoconservação (Selbsterhaltungstrieb), na busca de encontrar o seu objeto. Desta forma, Freud faz uma distinção entre as pulsões de autoconservação ou pulsões do eu (Ichtriebe) e as pulsões sexuais, na qual a primeira está relacionada às necessidades de preservação de um indivíduo (i.e. princípio da realidade), enquanto a segunda está ligada às fantasias que um indivíduo possa ter (i.e. princípio do prazer). Todavia, Freud estabelece que a pulsão se caracteriza como intermediaria entre o psíquico e corporal.
Posteriormente, Freud[12] realiza uma junção destas duas pulsões, agora as denominando pulsão de vida (Lebestriebe ou Eros) e propondo um dualismo com a pulsão de morte (Todestrieb), elas se apresentam como termos gerais, que relacionam não somente o psíquico, mas também o orgânico, podendo ser animais, plantas, dentre outros seres.  Então a pulsão de vida aspira unificar, acolher e aproximar os seres vivos, enquanto a pulsão de morte tende a separar e destruir (Destruktionstrieb i.e. pulsão de destruição), visando um estado inorgânico. Desse modo, as pulsões de autoconservação juntamente com as pulsões sexuais estão contidas no agrupamento das pulsões de vida.

Freud e a Sociedade

Para Freud[13][14] a satisfação pulsional é vivenciada pelo ego podendo ser tanto de forma prazerosa quanto desprazerosa, essa insatisfação é vista como fonte de desconforto, desta forma a sociedade em si pode se impor como um obstáculo externo de caráter repressivo em que sua potência inibidora se torna internalizada, porém essa pressão reprimida ainda habita o sujeito. Para Freud[15] a repressão está ligada a uma conservação do ego, ejetando elementos para fora da consciência e exercendo supressão a uma parte do id quando considera que uma determinada satisfação demonstre uma ameaça ao sujeito.
Segundo Freud[16], as sociedades possuem uma tendência a promover a repressão ao que diz respeito à satisfação dos desejos, no entanto tais desejos não podem ser aprisionados em um todo, devido a sua origem inconsciente, pois o homem não se limita aos seus instintos primitivos, restritos a conservação da espécie. Pelo contrário, todo ato exercido pelo homem não busca apenas a satisfação do instinto como os animais, mas de algo para além disso, no caso, a pulsão. Lembrando que ela sempre visa uma satisfação.
De acordo com Freud[17], a negação é comum ao ser humano, o homem se recusa a aceitar que de um modo geral, existe esta predisposição intrínseca e pulsional para a agressividade, colocando em questão o fato de que os homens não são seres dotados de bondade em sua essência. Partindo de tal pressuposto, o outro não se apresenta apenas como um objeto sexual em potencial, mas ele é também um candidato a objeto de satisfação a essa tendência que aqui será chamada de “pulsão agressiva”, a qual os homens buscam satisfazer constantemente, seja explorando o trabalho alheio sem recompensas, ou humilhando e infligindo dor, chegando ao ponto de torturar e matar. Essa pulsão agressiva se encontra apenas dormente e espera por alguma provocação proveniente do meio externo, para que possa se colocar a serviço de algum outro alvo, cujo objetivo que é exteriorizar ou investir a agressividade, nesse caso, também poderá ter sido alcançado por medidas mais sutis. E se as forças psíquicas responsáveis por inibir as pulsões a princípio estejam ausentes, é provável que essa satisfação ocorra de forma espontânea, não perdoando nem mesmo a própria espécie.
Segundo Freud[18], há uma grande dificuldade de se abandonar essa inclinação para a agressividade existente nos homens, a possibilidade de se amar um considerável número de pessoas em um grupo existe enquanto ainda existirem pessoas a quem os indivíduos deste grupo possam depositar as suas manifestações de agressividade. É o que acontece com grupos pequenos que agem de maneira hostil às aspirações de inserção de intrusos em seu círculo. Freud observou isso também em comunidades vizinhas que se atracam entre si e ridicularizam uns aos outros mesmo que não sejam assim tão diferentes, sendo esta uma maneira sutil de manifestar de forma inofensiva as inclinações para a agressão e por haver concordância de determinada opinião dentro de determinada comunidade, torna-se algo moralmente aceito.
De maneira semelhante, Freud[19] fala sobre uma suposta intolerância dentro das religiões, onde dentro de uma comunidade religiosa os indivíduos apresentam a mesma hostilidade para com os indivíduos que não estão inseridos nela. A religião seria um interesse do Estado e este se encontra carregado dela, posto que ambos assemelham-se em seu desejo de conquistar o poder sobre a civilização e impor determinadas repressões, afinal a sociedade necessita de controle para estas manifestações.
Freud[20] explica que as crenças supersticiosas contidas dentro de determinadas culturas serviam como pretexto para dar vazão aos desejos mais íntimos de um indivíduo projetando-os no mundo exterior, pois a motivação de determinadas ações inconscientes demanda reconhecimento, essas ações, via de regra, possuem um caráter de constante renúncia satisfatória que se fazem necessárias na conservação cultural, posto que o inconsciente inscreve um importante papel na adaptação social de um sujeito.

REFERÊNCIAS

[1] GOMES, Gilberto. Os dois conceitos freudianos de Trieb. Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, v. 17, n. 3, p. 249-255, Sept. 2001.
[2] LAPLANCHE, Jean; PONTALIS, Jean-Bertrand. Vocabulário de psicanálise. 2ª triagem. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
[3] Idem [2]
[4] FREUD, Sigmund. (1915a). As pulsões e suas vicissitudes. In: ______. A história do movimento psicanalítico, artigos sobre metapsicologia e outros trabalhos (1914-1916). Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. XIV. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud)
[5][6][7] Idem [4]
[8] FREUD, Sigmund. (1915b). Repressão. In: ______. A história do movimento psicanalítico, artigos sobre metapsicologia e outros trabalhos (1914-1916).  Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. XIV. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud).
[9] ROUDINESCO, Elisabeth; PLON, Michel. Dicionário de psicanálise. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
[10] FREUD, Sigmund. (1910). Leonardo da Vinci e uma lembrança da sua infância. In: ______. Cinco lições de psicanálise, Leonardo da Vinci e outros trabalhos (1910[1909]). Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. XI. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud).
[11] Idem [4]
[12] FREUD, Sigmund. (1920). Além do princípio do prazer. In: ______. Além do princípio do prazer, psicologia de grupo e outros trabalhos (1925-1926).  Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. XVIII. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud).
[13] FREUD, Sigmund. (1939[1934-38]). Moisés e o monoteísmo, Esboço de psicanálise e outros trabalhos. In: ______. Moisés e o monoteísmo, Esboço de psicanálise e outros trabalhos (1937-1939).  Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. XXIII. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud).
[14] FREUD, Sigmund. (1913-1914). Totem e tabu e outros trabalhos. In: ______. Totem e tabu e outros trabalhos (1913-1914).  Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. XIII. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud).
[15] FREUD, Sigmund. (1926). Inibições, sintomas e ansiedade. In: ______. Um estudo autobiográfico, inibições, sintomas e ansiedade, a questão da análise leiga e outros trabalhos (1925-1926).  Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. XX. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud).
[16] FREUD, Sigmund. (1930) Mal estar na civilização. In: ______. O Futuro de uma Ilusão, o mal-estar na civilização e outros trabalhos (1927-1931).  Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. XXI. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud).
[17][18][19] Idem [15]

[20] FREUD, Sigmund. (1901). Sobre a psicopatologia da vida cotidiana. In: ______. Sobre a psicopatologia da vida cotidiana (1901).  Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. VI. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud).

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COMO CITAR ESTA POSTAGEM

FERREIRA, A. C. C. & PEREIRA, J. K. Da pulsão à sociedade dentro da teoria freudiana. Curitiba, 16 mar 2017. Disponível em: <http://psiqueempalavras.blogspot.com/2017/03/da-pulsao-sociedade-dentro-da-teoria.html>

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