Este trabalho é mais um dos fichamentos realizados para a disciplina Psicologia Analítica, no 4º semestre da graduação. Se trata do texto “O caminho para o interior profundo (anima e animus)” de Murray Stein, que discorre um pouco sobre dois conceitos importantes para a abordagem analítica que são os conceitos de Anima e Animus.
O CAMINHO PARA O INTERIOR PROFUNDO (ANIMA E ANIMUS)
No início do sexto capítulo do livro “Jung: o mapa da alma uma introdução” Jung apud Stein conta sobre a experiência de ouvir uma voz interior feminina, denominada “anima”, sendo esta uma figura internalizada que expõem vontades inconscientes de um indivíduo. No exemplo que é dado, profere que mesmo Jung se identificando como um “cientista”, esta voz interna lhe dizia que ele era um “artista”, esta voz fazia com que ele sentisse “um misto de temor e admiração”. Para os homens, a anima se mostra como uma figura feminina, já para as mulheres é o “animus”, uma figura masculina equivalente, ou seja, anima/animus representam os dois extremos masculino-feminino. Ambas são “personalidades subjetivas que representam um nível do inconsciente mais profundo do que a sombra” (pp.115-116).
O autor esboça anima e animus como referentes às “figuras arquetípicas da psique”, desta forma anima e animus, estão localizadas próxima as terminações do domínio da psique, assim como os arquétipos, que habitam dentro do inconsciente coletivo, onde as “fronteiras são imprecisas” anima e animus é algo que existe, mas que não pode ser observado diretamente, pois encontram-se “nas camadas mais profundas do inconsciente”. Anima/us (termo utilizado por Stein para indicar essa estrutura psíquica que é comum aos homens e às mulheres) é uma estrutura psíquica complementar da persona e que vincula o ego à camada mais profunda da psique (pp. 116-118).
A persona é um ego que é exposto ao mundo externo e que se habitua e se adapta às “exigências da realidade física” e é definido como um “complexo funcional” que se relaciona com os objetos, sua função é de servir como uma pele que protege o ego do mundo externo. Anima/us também é um “complexo funcional”, mas sua função, diferente da persona, é de adaptar o indivíduo ao “mundo interior”, ou seja, anima/us “permite que o ego penetre e tenha a experiência das profundidades da psique”, ou seja, é a “relação do ego com o sujeito”, sendo este “sujeito” todo o conjunto de sentimentos, estímulos, pensamentos e sensações que não são possíveis de serem demonstrados e que fazem parte das profundezas obscuras da consciência, sendo então parte do mundo inconsciente e não o ego, é a face subjetiva da psique. (p. 118).
Stein mostra que o que distingue anima de persona é o seu foco, pois a anima está relacionada ao ego, já a persona está ligada as relações com os objetos. Então anima/us (abreviação feita pelo autor) é um arranjo que dirige nossa relação com o inconsciente, através da imaginação, das idéias e emoções, contendo objetos interiores que Jung nomeara de “imagos” ou “imagens. É possível observar a forma como uma pessoa trata outras pessoas e como trata a si mesma, sendo esse tratamento hostil e hipercrítico ou acolhedor e caloroso, ou ainda essa pessoa pode julgar aos outros com extrema severidade e se importar mais com sua própria vida interior, algumas pessoas não são tão afetadas por seus processos interiores, já outras acabam ficando entregues a estes processos que lhes causa uma desagradável sensação. Essa forma de tratar seu interior caracteriza anima e animus (pp. 118-119).
O autor fala que geralmente anima se refere ao lado interior feminino do homem, enquanto animus se refere ao lado interior masculino da mulher, então da mesma maneira que a persona ajuda o indivíduo a se ajustar com o meio externo a anima/us ajudará ajustar ao seu meio interno, auxiliando nos pensamentos, sentimentos e emoções que se colidem com o ego, por exemplo. Anima/us é oposta à persona, que está voltada para o mundo social e faz o papel de adaptar os indivíduos à vida externa, ela por sua vez se volta para o mundo interior e permite a adaptação interna, atendendo às exigências e as necessidades do sujeito. O ego passa a ser identificado com a personalidade da anima ou animus quando está sob controle destas. Deste modo o animus se caracteriza como um agente que não se faz “congruente com o ego ou a persona desejada. É ‘outra’”. Assim, enquanto um homem está sob o império da anima tenderá a agir com base em seus sentimentos, já a mulher que se encontra no governo de animus tenderá a atacar (pp. 120-121).
“Em ambos os casos [...] o mundo interior do inconsciente não é suficientemente reprimido, e a penúria emocional e irracional perturba e distorce relações normais com as outras pessoas e com a vida em geral. A possessão anima/us escancara os portões do inconsciente e deixa entrar nele praticamente tudo o que tenha suficiente energia para transpor o limiar. [...] O controle de impulsos é mínimo. Não existe o menor domínio sobre pensamento ou afeto. Isto é também um problema [...] sintomático de um ego subdesenvolvido que é incapaz de reter e conservar os conteúdos que normalmente fluem para a consciência mas precisam ser objeto de reflexão e digestão prévias, antes de se transformarem em ação verbal ou física.” (p. 121)
Aqui o autor esboça duas possíveis dificuldades, a primeira seria o sujeito possuir um ego frágil, pois é ele quem realiza o controle de impulsos – o que já se encontra suavizado quando se fala desta possessão. Enquanto a segunda seria uma má estrutura da anima em si, que com um desenvolvimento pobre apresentará um caráter insatisfatória quando seu uso for necessário (p. 121). Em uma personalidade estruturada de forma ideal com perfeito funcionamento, o consciente e inconsciente trabalhariam juntos e de forma equilibrada, suas estruturas são protegidas e não sofre fortes consequências das influências externas, proporcionando uma adaptação perfeita que está sempre adequada às tarefas e exigências do mundo externo. Dificilmente é possível alcançar esse quadro e isso talvez se dê ao fato de que “nos desenvolvemos de forma irregular e desigual” e acabamos por não dar a devida atenção ao desenvolvimento interior (pp. 121-122).
Na teoria de Jung, muitas figuras e estruturas psíquicas levam nomes em latim devido a sua fluência nas línguas clássicas; assim sendo, anima quer dizer “alma” e animus quer dizer “espírito”, sendo o espírito descrito, muitas vezes, como “um sopro ou ar” e “captar o derradeiro sopro de vida quando ela abandona o corpo de uma pessoa é captar-lhe a alma”, desta forma, espírito e alma são palavras bastante próximas e ambas referem-se ao mundo interior das pessoas e estes termos não são alusões ao significado religioso de alma e espírito, pois anima “não se refere a uma parte imortal do ser humano” e animus não está se referindo “a algo metafísico e transcendente”. Estes dois extremos (anima e animus) possuem conotação de diferenciação de gêneros: “anim-a” é feminina, “anim-us” é masculina, com isso, “Jung estava estabelecendo a sua teoria para mostrar diferenças fundamentais (isto é, arquetípicas) entre os sexos” (pp.122-123).
“Jung argumenta que ambos os sexos têm componentes e qualidades masculinos e femininos. [...] Ele parece evitar a divisão da raça humana em dois grupos de sexo claramente diferentes, com muito pouco em comum. Em sua teoria, homens e mulheres são ao mesmo tempo masculinos e femininos. Essas qualidades, porém, são distribuídas de modo diferente. E essa diferença é arquetípica, não social ou cultural. [...] Jung diz que os homens são masculinos no exterior e femininos no interior, e que as mulheres são o inverso. As mulheres são dadas a relacionar-se, são receptivas e impressionáveis em seu ego e persona, e são firmes e contundentes no outro lado de sua personalidade; os homens são duros e agressivos no exterior, brancos e comunicativos no íntimo” (p. 123).
Para Jung, “a alma comporta-se complementarmente em relação ao caráter externo (persona)”, ela possui as características humanas que faltam ao consciente. Posteriormente, com o conceito de sombra, ela “absorverá boa parte dos conteúdos que são complementares da persona mas excluídos da identidade consciente por serem incompatíveis com a imagem da persona”. Com isso, percebe-se que a anima e a persona se completam, pois mesmo que, por exemplo, uma mulher que não é muito feminina externamente, poderá então possuir um animus não muito masculino, isso mostra que as características destes dois pólos – o meio externo e interno – tendem a se completarem, Porém, “alguns indivíduos podem não estar internamente muito polarizados entre características masculinas e femininas”, que é o caso, por exemplo, de mulheres que vestem-se e comportam-se de maneira masculinizada e que não são passivas, assim como também existem homens que não são necessariamente “machos” e conforme mudam as imagens coletivas predominantes, também mudam anima e animus. Os termos chineses Yin e Yang foram propostos como termos neutros e apropriados para referir-se às qualidades/atributos ao invés da utilização de masculino e feminino, o autor define isso relacionando tais termos, como Yin sendo a anima/us e o mundo interno e Yang a persona e o mundo externo (pp. 124-126).
Em suma, tanto os homens quanto as mulheres irão sempre apresentar traços do sexo oposto, um homem não será “integralmente viril” assim como uma mulher também não será sempre inteiramente frágil, pelo contrário, podem demonstrar intensa virilidade, estes traços são qualidades convertidas da alma. O autor fala que da mesma maneira que a persona acaba por se influenciar pelo meio, também ocorre com a alma, com isso a anima/us não é só um complemento da persona, mas algo que também foi moldado, moldado por sua vez, pelos fenômenos do inconsciente, enfatizando a influência dos arquétipos com isso pode-se entender o porquê a anima “oferece uma imagem da mulher tal como ela se apresenta ao homem e não como é em si mesma. Da mesma forma, o animus é a imagem interna de uma mulher da personalidade masculina”. O autor enfatiza que estas projeções são inventadas pelo inconsciente e não pelo ego (pp. 126-129).
“Estamos, é claro, projetando constantemente, e as nossas concepções de vida, de outras pessoas e do modo como o mundo está construído são formadas, de um modo sumamente importante, por conteúdos inconscientes projetados no meio circundante e adotados como verdades absolutas. A anima/us, diz Jung nessa passagem, é como Maya, a deusa hindu que cria mundos ilusórios, e o ego acaba por habitar num mundo que está baseado, de maneira preponderante, em projeções” (pp. 129-130)
Stein fala de como o conceito de sombra traz um grau de temor ao indivíduo, já o de anima/us trará uma excitação, sendo ela transformadora. “Na visão de Jung anima/us é destino. Somos guiados para os nossos destinos pelas imagens de poderes arquetípicos situados muito além de nossa vontade consciente ou conhecimentos”. Jung apud Stein mostra como a conscientização do que era inconsciente pessoal – sombra –, se dá como o alicerce de uma análise, pois sem ela não é imaginável nenhum conhecimento sobre anima/us (pp. 130-131).
Jung apud Stein então sugeriu uma separação, que consiste em: “(1) um ego consciente a par da sua subjetividade pessoal, (2) uma outra pessoa, o parceiro ou parceira com seu ego consciente e subjetividade pessoal, (3) a imagem arquetípica de anima/us”, esses três aspectos se tornam completos quando acrescentado o quarto, que para o macho é o “Velho Sábio” e para a fêmea é a “Mãe Ctônica”, então quando há esta completude o “si-mesmo” se torna uma experiência “numinosa”. “A anima/us está permanentemente ativa na vida psicológica, e sua ausência define a natureza da depressão. Para além da sexualidade do corpo, essa é uma sexualidade da psique” (p. 132).
“A sexualidade humana é guiada pela imagem arquetípica, mas a imagem não é redutível ao impulso. Somos atraídos para certas pessoas. (...) Depois que as pessoas se unem e passam algum tempo em mútua companhia, o relacionamento subseqüente começa a mostrar algumas outras características típicas de anima-animus” (p. 134).
O autor fala que do lado masculino a anima terá características femininas, tais como a suscetibilidade e o lado emocional mais aflorado, enquanto do lado feminino a animus tenderá a características mais masculinas, como a agressividade e prepotência. “No que se refere à anima, ela era pra Jung uma realidade interior viva, uma verdadeira figura interna de primeira categoria, e também era poderosamente vivenciada por ele em projeção e em relacionamento” (pp. 135-136).
REFERÊNCIA
STEIN, Murray. O caminho para o interior profundo (Anima e Animus). In: _______. Jung: o mapa da alma uma introdução. 5ª edição, SP: Cultrix, 2006. pp. 115-136.
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COMO CITAR ESTA POSTAGEM
FERREIRA, A. C. C. & PEREIRA, J. K. “O caminho para o interior profundo (Anima e Animus)” de Murray Stein. Curitiba, 09 dez. 2016. Disponível em: <http://psiqueempalavras.blogspot.com/2016/12/o-caminho-para-o-interior-profundo.html>
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