segunda-feira, 29 de outubro de 2018

A saúde física e mental do trabalhador - Parte 2: O sequestro da subjetividade

Essa é a segunda postagem da nossa série sobre a saúde do trabalhador. Nesse texto, trazemos algumas considerações sobre como o ambiente de trabalho pode, por vezes, roubar o sujeito de sua individualidade, fazendo com que ele assuma uma identidade predominante de um grupo. Damos à esse fenômeno o nome de sequestro da subjetividade.




O SEQUESTRO DA SUBJETIVIDADE

“Compramos coisas que não precisamos, 
com dinheiro que não temos, 
para impressionar pessoas de quem não gostamos”

Chuck Palahniuk, Clube da Luta

De acordo com Faria e Menegetti (2007), para que sejamos socializados, precisamos conviver uns com os outros em sociedade. Os processos grupais proporcionam as experiências que necessitamos para que nossas estruturas possam ser formadas, mantendo ou transformando relações de produção, e certificando-se de que possamos nos desenvolver como seres que agem ativamente dentro de uma sua sociedade. Para que reproduzam ideologias, civilizações necessitam de um contexto histórico prévio, portanto, se a história de determinada cultura não for estudada, seu sentido e significado podem ser perdidos no tempo.
Para estes autores, o contexto no qual um indivíduo está inserido exerce sobre ele agentes controladores e a interação social ocorre seja de maneira direta ou indireta, querendo ele ou não. Fazer parte de diferentes contextos inscreve sobre cada um traços em sua história de vida. Todavia, a consciência de grupo pode acabar se tornando uma das formas mais comuns de sequestrar a subjetividade dos indivíduos, principalmente no contexto organizacional, pois pode submetê-los a métodos de avaliação (olhar do outro), que garantem uma possibilidade de exclusão, caso seu comportamento não se adeque ao restante do grupo, posto que o poder disciplinar importa-se em comandar e produzir artifícios que normatizam os indivíduos, sob o pressuposto de que é necessário que os sujeitos sejam governados e dominados. 
Os autores ainda afirmam que a formação de grupos resultam em amizades e rivalidades, entretanto, dentro dos grupos existem regras específicas que devem ser seguidas para reduzir os conflitos na coexistência de grupos com ideologias distintas, mas isso, às vezes, acaba favorecendo a exclusão social e empobrecendo a inclusão de grupos considerados minorias, independente do contexto. No ambiente de trabalho, um indivíduo busca se enquadrar e fazer parte do grupo em que está inserido, fazendo tudo conforme a demanda do grupo, mesmo contra sua vontade ou desejo, pois precisa de seu emprego para que possa sobreviver conforme às demandas da sociedade capitalista.
Junto com Bezerra (2006), podemos refletir sobre a posição do sujeito nas organizações e relações trabalhistas. É deveras comum que haja uma tentativa de despir o sujeito de sua subjetividade e que se busque fazer com que ele assuma a identidade da empresa, o famoso “vestir a camisa” da organização. Esse processo pode acarretar diversos problemas para o indivíduo, tanto psíquico quanto somático, porque ao falar de sujeito, falamos tanto de sua vida mental como dos sintomas que ele apresenta. Não se trata apenas de um universo psicológico interior, mas também de um campo intencional, um campo de ação, no qual o indivíduo se projeta no mundo, de forma experimental e complexa, em que concorrem igualmente fantasias idiossincráticas, ou seja, a maneira de ver, sentir e reagir próprias de cada indivíduo, e suas predisposições biológicas, junto de suas prescrições culturais.
A contemporaneidade, para Faria e Menegetti (2003), é marcada pela fragmentação da subjetividade do trabalhador, que tem as organizações como seus sequestradores. O intuito de suprir demandas relacionadas ao ganho capital se dá através da aceitação, por parte do trabalhador, que muitas vezes não percebe claramente o domínio e a submissão. O sequestro da subjetividade tem vários focos, pode aparecer nos vínculos grupais estabelecidos e na ideologia dominante. A aplicação desta ideia acontece através de sutilezas empregadas nas técnicas de produção, ou em uma linguagem que podemos descrever como armadilhas psicológicas do trabalho.
Os autores falam sobre formas de furto da subjetividade como uma espécie de sequestro por identificação, onde relatam que através do discurso criado pela empresa, trabalha-se no imaginário do sujeito uma ideia de que dar o melhor de si e colaborar com os superiores, será algo positivo, pois ele crê na ideia de que é completamente necessário para o bom funcionamento da empresa. O que de fato, ao tempo em que se está desempenhando aquela função, espera-se que o indivíduo possa dar o melhor de si e não deixa de ser verdade que é necessário colaborar, mas há uma diferença entre colaborar e se submeter completamente às condutas que muitas vezes podem ser abusivas e exploradoras.
Há, também, o sequestro subjetivo realizado a partir da ideia de essencialidade valorizada, onde colaborador acredita que precisa estar satisfeito com seu trabalho, sabendo que sua colaboração é indispensável para aquela organização. O que se constrói aqui é um sentimento de necessidade de se tornar insubstituível, o que de alguma forma abona a organização de questionamentos que possam levar à dúvidas. 
Outro método também utilizado é o sequestro da subjetividade pela colaboração solidária, onde o colaborador é forçado a acreditar que faz parte de um grupo e precisa colaborar para que o dito grupo tenha êxito na tarefa a que se propõe. Apelos particulares são vistos como prejudiciais e, naturalmente, contrários ao grupo, pois pensar individualmente seria como uma exclusão social, uma ideia de egoísmo e falta de espírito coletivo. 
E, por fim, os autores trazem também um tipo de sequestro denominado eficácia produtiva, que age pelo autocontrole do sujeito, onde um setor quase sempre depende do outro para chegar a uma finalização final, assim, é o esforço que leva ao final do processo, concluindo que seu trabalho precisa ser satisfatório para que os elogios cheguem, não somente até este colaborador, mas que possa se estender a todo o grupo. Há um envolvimento total, que consiste em estimular a competição entre os grupos de trabalho de maneira velada, tendo como objetivo a responsabilidade coletiva assimilada por todos da organização, indo de encontro com valores capitalistas e os anseios da sociedade.
Diante de todas estas formas de sequestro da subjetividade, percebe-se a necessidade de mudança na visão dos administradores. As organizações precisam atentar para a qualidade de vida de seus colaboradores, pois a forma como estes são tratados gera reflexos diretos no resultado final que buscam as organizações. Na atualidade, a qualidade de vida no trabalho é um desafio e as empresas têm uma enorme responsabilidade em garantir que esse ambiente se torne mais agradável.


O curta metragem Inner Workings (Trabalho Interno) da Walt Disney (2016)  dirigido pelo brasileiro Leonardo Matsuda, ilustra muito bem o sequestro da subjetividade que falamos aqui. Assistam:


Inner Workings.2016 from realflow on Vimeo.

REFERÊNCIAS

FARIA, J. H. & MENEGHETTI, F. K. O sequestro da subjetividade. In: FARIA, J. H. (Org.). Análise crítica das teorias e práticas organizacionais. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2007

BEZERRA, B. O normal e o patológico: uma discussão atual. In: SOUZA, A. N.; PITANGUY, J. (Org.). Saúde, corpo e sociedade. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006.

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COMO REFERENCIAR ESTA POSTAGEM

FERREIRA, A. C. C.; PEREIRA, J. K. A saúde física e mental do trabalhador - Parte 2: o sequestro da subjetividade. Curitiba, 01 out 2018. Disponível em: <https://psiqueempalavras.blogspot.com/2018/10/a-saude-fisica-e-mental-do-trabalhador-2.html>

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